segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Espelhos


“Viu-se, então, refletido no vidro; os próprios olhos o fulminaram, e tamanho foi o impacto da imagem [...]”.
(P.C.)

“Quem poderia desconhecer a natureza otimista da dialética que triunfa a cada conclusão e vive da frieza, clareza e certeza”.
(Nietzsche, Origem da Tragédia)

“Assim a consciência-de-si é certa de si mesma, somente através do suprassumir desse Outro, que se lhe apresenta como vida independente: a consciência-de-si é desejo. Certa da nulidade desse Outro, põe para si tal nulidade como sua verdade; aniquila o objeto independente, e se outorga, com isso, a certeza de si mesma como verdadeira certeza, como certeza que lhe veio-a-ser de maneira objetiva”.
(Hegel, Fenomenologia do Espírito)

domingo, 23 de setembro de 2012

Círculos


“[...] o que falta pode apenas ser suprido através das deduções que nós fazemos no início a partir do tom e estrutura dos particulares e a partir do modo da progressão. Faz-se necessário certamente, assim, uma compreensão do todo [...] simplesmente através dos particulares; mas esta será necessariamente incompleta, se a memória não reteve os particulares e nós podemos, depois que o todo seja dado, retroceder aos elementos, para então compreendê-los mais precisa e completamente a partir do todo [...] toda primeira apreensão é apenas provisória e incompleta [...] nós precisamos seguidamente retornar do fim ao começo e, completando a apreensão, recomeçarmos de novo; quanto mais difícil é de apreender a articulação do todo, tanto mais se deve procurar seus traços a partir do particular; quanto mais o singular é denso e significativo, tanto mais se deve procurar apreendê-lo em todas as suas relações por meio do todo.”
FRIEDRICH SCHLEIERMACHER (Hermenêutica: Arte e técnica da interpretação)

“[...] como se quisesse ler e reler eternamente as passagens que escrevera, e me pergunto quantas significações não buscou, se tinha vontade, a cada uma delas, de retornar à vida [...] pode ser mais difícil apagar as margens que, paralelas, seguem tocando o curso. Mas não carece mirá-las. A cada passo teu, o caminho já é outro, mesmo as pegadas são outras, e assim será, quantas vezes trilhar.”
(P.C.)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Queda


Mito dos andróginos. Não deve ter sido a dúvida que levou aqueles seres, completos (na sua individualidade!), a bisbilhotarem os céus, pela inusitada empreitada de se empoleirarem, qual torre, até a morada de Zeus, que, furioso, cingiu-os ao meio. Deviam estar cheios de si mesmos. Resultado da catástrofe procurada: incerteza, dúvida. A brincadeira etimológica já foi feita: zwei e Zweifel.

Onde há dois, arriscamos a levantar mais dois resultados – o segundo, superado pela aceitação do primeiro: 1) o tempo será indeterminado; 2) Defrontam-se: Senhor e Escravo. Liberdade, portanto, a aceitação do futuro, eterna possibilidade, a sanção que recebemos!
Pergunta-se: que resultou comer da árvore do bem e do mal?

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Dando voltas


Já em Dostoiévski: “a própria Terra de hoje talvez já se tenha repetido um bilhão de vezes [...] possivelmente vem se repetindo infinitamente, e tudo sob o mesmo aspecto até os mínimos detalhes. O mais indecente dos tédios”. Se o dissesse a Nietzsche, a resposta ao seu interlocutor seria: “Du bist ein Gott!”. Adiante no romance russo: “Para um deus não existe lei! Onde o deus estiver, estará no lugar do deus! Onde eu estiver, aí já será o primeiro lugar...”. Se “tudo é permitido”, o homem tem de sustentar o peso do Ser... Cada ação, doravante, uma super-ação.

Sobre leis bem entendia Cícero. Não acreditava no Nada após a morte. Eis, ainda, o reflexo de sua tese: “E, mesmo se um deus me oferecesse generosamente voltar a ser um bebê dando vagidos em um berço, eu recusaria ser levado de volta ao ponto de partida após ter percorrido, por assim dizer, toda a arena”.
Curiosamente, era de outro jurista republicano que louvava o talento dialético (característica que seria desacreditada por um Karamázov). Mas esse outro precisaria escrever-lhe justamente na ocasião da morte da filha:

[...]
Coepi egomet mecum sic cogitare: "hem! nos homunculi indignamur, si quis nostrum
interiit aut occisus est, quorum vita brevior esse debet, cum uno loco tot oppidum cadavera
proiecta iacent? Visne tu te, Servi, cohibere et meminisse hominem te esse natum?".

Comecei, assim, a pensar comigo mesmo: “Ah! Nós, pequenos homens, indignamo-nos se
qualquer de nós, cuja vida mais breve deveria ser, perece ou é morto, quando, num lugar
lançados, cadáveres de tantas cidades jazem? Poderias, Servius, conter-te e recordar-te de
que nasceste homem?” [tradução livre].
[...]

V. Scr. Athenis mense Aprili a.u.c. 709.
SERVIUS CICERONI S.


  
Referências: Dostoiévski: Os irmãos Karamázov (editora 34); Cícero: Saber envelhecer (LPM Pocket) e Epistulæ ad familiares.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

"Im Anfang war die Tat"


Cabala: criação linguística do mundo. Sob o texto, de que emergem as narrativas, os sentidos possíveis: letra, alegoria, construto hermenêutico, misticismo. Bem, adentrando certas correntes da “tradição”, a forma textual, modelada, reflete a própria substância que subjaz ao (re)arranjo. Como desvelar o Ser inefável... Mudando as casas, jogando com o jogo. Técnicas para a partida: gematrya (números representados por letras, cada palavra com um valor numérico); notariqon (composição por iniciais); temurah. Esta corresponde ao anagrama – justamente o procedimento de criação do mundo. Do simbolismo da linguagem ao cálculo fatorial. Se a linguagem é o universo, e sua estrutura reflete a estrutura da realidade... De fato, Wittgenstein se deparou com uma conta impraticável.

Tempo belo


Diotime indaga a Sócrates: “Não é preciso acrescentar que, amando, desejam a posse do bem? [...] E não somente a posse, mas a posse perpétua? [...] O amor é, em suma, o desejo de possuir perpetuamente o bem?” Qual o ato que, tendendo à posse do bem, toma o nome de amor?
A resposta: “É a geração do belo, tanto no corpo, como no espírito”. Explica: “geração e parturição garantem a imortalidade a todo ser vivente e sujeito à morte”.
Aí o belo, rastro de outro desejo, da dor.
Ainda: o velho sempre jovem e o jovem já velho. Substituição e mudança.
Quando foi que o tempo ganhou o processo? Eros lhe é devedor, ou vítima?
Uma teogonia afinada com os preceitos da física moderna faz coincidir a libertação de Chronos com o surgimento do espaço. A separação de dois deuses: Urano sangrou, e Gaia deu à luz.

domingo, 9 de setembro de 2012

"O real é racional"


Deduções pelos dizeres freudianos levam a crer que a introversão da libido sexual, direcionada ao Eu, é uma via cujo fim traz a perda da realidade. Ao contrário, quando o investimento no objeto é máximo, caracterizando o estado de enamoramento, tem-se o fim do mundo dos paranoicos. Mas o toque da realidade ameaça um grande sonho: imortalidade.
Convergindo uma instância – a consciência moral tutora do ideal (o almejado Eu), que brinca com os mais delirantes na terceira pessoa – para a auto-observação, temos material psíquico suficiente para a construção dos sistemas filosóficos mais espetaculares.
Mas, no jogo que virou a filosofia, pensar filosoficamente é dissolver-se na linguagem. Ainda é possível sistematizar, quiçá domesticá-la? Gödel demonstrou (!) que não dá para construir um sistema matemático completo e consistente. É preciso escolher: ou um, ou outro. Pobre vontade, revelação absoluta é querer demais. Moral da história: um grande golpe na vaidade.
Pode consolar-se, no entanto, com uma humilde certeza: a realidade é provisória.