Já em Dostoiévski: “a própria Terra de hoje talvez já se
tenha repetido um bilhão de vezes [...] possivelmente vem se repetindo
infinitamente, e tudo sob o mesmo aspecto até os mínimos detalhes. O mais
indecente dos tédios”. Se o dissesse a Nietzsche, a resposta ao seu
interlocutor seria: “Du bist ein Gott!”.
Adiante no romance russo: “Para um deus não existe lei! Onde o deus estiver,
estará no lugar do deus! Onde eu estiver, aí já será o primeiro lugar...”. Se “tudo
é permitido”, o homem tem de sustentar o peso do Ser... Cada ação, doravante, uma
super-ação.
Sobre leis bem entendia Cícero. Não acreditava no Nada após
a morte. Eis, ainda, o reflexo de sua tese: “E, mesmo se um deus me
oferecesse generosamente voltar a ser um bebê dando vagidos em um berço, eu
recusaria ser levado de volta ao ponto de partida após ter percorrido, por
assim dizer, toda a arena”.
Curiosamente, era de outro jurista republicano que louvava o
talento dialético (característica que seria desacreditada por um Karamázov).
Mas esse outro precisaria escrever-lhe justamente na ocasião da morte da filha:
[...]
Coepi egomet mecum sic
cogitare: "hem! nos homunculi indignamur, si quis nostrum
interiit aut occisus
est, quorum vita brevior esse debet, cum uno loco tot oppidum cadavera
proiecta iacent? Visne
tu te, Servi, cohibere et meminisse hominem te esse natum?".
Comecei, assim, a
pensar comigo mesmo: “Ah! Nós, pequenos homens, indignamo-nos se
qualquer de nós, cuja
vida mais breve deveria ser, perece ou é morto, quando, num lugar
lançados, cadáveres de
tantas cidades jazem? Poderias, Servius, conter-te e recordar-te de
que nasceste homem?”
[tradução livre].
[...]
V. Scr. Athenis mense
Aprili a.u.c. 709.
SERVIUS CICERONI S.
Referências: Dostoiévski: Os irmãos Karamázov (editora
34); Cícero: Saber envelhecer (LPM Pocket) e Epistulæ ad familiares.